Especialistas apontam mudanças de hábitos, alimentação e diagnóstico tardio como causas do aumento — e alertam que o sistema de saúde ainda não está preparado

Um levantamento realizado pelo DataSUS, analisado entre 2013 e 2024, mostra um dado preocupante: o número de diagnósticos de câncer em pessoas com até 50 anos aumentou 284% no Sistema Único de Saúde (SUS).
Em 2013, foram 45,5 mil casos registrados. Em 2024, esse número saltou para quase 175 mil pacientes — um crescimento quase quatro vezes maior em pouco mais de uma década.

Os tumores de mama, colorretal e fígado estão entre os que mais avançaram nesse grupo, refletindo uma tendência global observada em diversos países.

“Mais uma jovem com câncer de mama”

A operadora de caixa Jaqueline Chagas, de 46 anos, é um dos rostos por trás dessa estatística.
Durante sete anos, ouviu do médico que o nódulo em seu seio era benigno. “Dava para sentir o caroço no abraço”, lembra. Aos 36 anos, uma mamografia de urgência revelou o diagnóstico: câncer de mama avançado.

“A médica olhou para a colega e disse: ‘Mais uma jovem com câncer de mama’. Foi ali que eu congelei. Primeiro pensei que fosse morrer. Depois, só pensava na minha mãe”, recorda Jaqueline, que hoje está curada, mas segue em acompanhamento.

Crescimento acelerado e subnotificação preocupante

Entre 2013 e 2024, os registros de câncer em adultos jovens dispararam:

Apesar dos números alarmantes, especialistas afirmam que o cenário real pode ser ainda pior, já que o levantamento não inclui dados da rede privada de saúde.

“O Brasil subestima a real dimensão do problema. Na saúde suplementar, a notificação não é obrigatória, e parte expressiva dos diagnósticos não aparece nas estatísticas oficiais”, explica o oncologista Stephen Stefani, do grupo Oncoclínicas.

🧬 O novo perfil do câncer

Antes associado a idosos e fumantes, o câncer agora atinge uma geração jovem, urbana e sobrecarregada.
De acordo com médicos, o aumento está diretamente relacionado a mudanças no estilo de vida moderno: alimentação rica em ultraprocessados, estresse crônico, noites mal dormidas e sedentarismo.

“A obesidade é um dos maiores gatilhos. Ela age como um órgão inflamado, produzindo substâncias que desregulam hormônios e estimulam o crescimento de células defeituosas”, explica o médico Samuel Aguiar, do A.C. Camargo Cancer Center.

Câncer de mama e colorretal lideram casos entre jovens

O câncer de mama é o mais comum entre os brasileiros de até 50 anos, com aumento de 45% na última década.
Logo em seguida aparecem os tumores colorretais, que cresceram 160% no mesmo período.

“O câncer colorretal é uma doença de comportamento. Só 5% dos casos são hereditários; mais de 90% têm ligação com alimentação e sedentarismo”, completa Aguiar.

🧠 O sistema ainda não está preparado

Mesmo com o aumento de diagnósticos precoces, o SUS ainda enfrenta gargalos no atendimento e no início do tratamento.
A médica nuclear Sumara Abdo, do Instituto Nacional do Câncer (INCA), alerta que os protocolos de rastreamento são antigos e continuam focados em pessoas acima dos 50 anos.

“A realidade mudou. Hoje, vemos mulheres de 30 anos com tumores agressivos. O sistema precisa incluir os mais jovens nas campanhas preventivas”, defende.

A oncologista Isabella Drummond reforça que a demora entre o diagnóstico e o início do tratamento continua sendo um dos maiores desafios:

“Muitos pacientes não conseguem começar o tratamento dentro dos 60 dias previstos por lei. E, sem políticas de rastreamento precoce, a desigualdade no câncer só vai aumentar.”

🌎 Tendência global e estilo de vida moderno

O aumento de casos em jovens não é exclusividade do Brasil.
Um estudo publicado na revista Nature Medicine (2022) mostra que a incidência de câncer em pessoas com menos de 50 anos vem crescendo em todos os continentes, especialmente em países urbanizados.

As principais causas apontadas pelos pesquisadores incluem:

• Dietas industrializadas e pobres em fibras;

• Exposição a poluentes e agrotóxicos;

• Sono insuficiente e estresse constante;

• E mudanças na microbiota intestinal, que afetam a imunidade.

“O fenômeno é mundial, mas no Brasil ele se agrava pela desigualdade social e pelo diagnóstico tardio”, resume Stefani.

Sinais de alerta que não devem ser ignorados

Os médicos reforçam que identificar o câncer cedo aumenta as chances de cura em mais de 90% dos casos.
Entre os principais sintomas de atenção estão:

• Perda de peso inexplicável;

• Sangue nas fezes ou urina;

• Nódulos persistentes;

• Mudanças no hábito intestinal;

• Cansaço extremo;

• Sangramentos anormais.

“O corpo fala. Qualquer sinal persistente deve ser investigado com exames adequados e acompanhamento médico”, alerta Sumara Abdo.

Informação, prevenção e esperança

Mesmo diante do aumento dos casos, especialistas reforçam que a informação é a principal aliada contra o câncer.
O diagnóstico precoce, a prática de atividades físicas e a alimentação saudável podem reduzir em até 40% o risco da doença.

Jaqueline, hoje curada, resume a importância da conscientização:

“Eu venci porque descobri a tempo. Mas ainda vejo muita gente que não consegue fazer um exame simples. A prevenção salva vidas — e a informação é o primeiro passo.”