Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revela um cenário preocupante em Mato Grosso: 65,2% dos municípios do estado convivem hoje com a presença direta ou indireta de facções criminosas. Das 142 cidades mato-grossenses, 92 registram atividade organizada, muitas delas em áreas de difícil acesso, regiões de fronteira e zonas marcadas pelo garimpo ilegal.
O dado faz parte do relatório “Cartografias da Violência na Amazônia”, que mostra como o crime organizado deixou de se concentrar apenas em grandes centros urbanos e passou a ocupar territórios estratégicos no interior do país — especialmente a Amazônia Legal.
Domínio do Comando Vermelho e disputa em regiões-chave
Em Mato Grosso, o Comando Vermelho (CV) é a facção com maior capilaridade:
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Presente em 85 dos 92 municípios mapeados,
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Atua de forma exclusiva em 71 cidades,
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E mantém disputa territorial em outras localidades.
Além do CV, também foram identificadas atividades do PCC, Tropa do Castelar e Bonde dos 40 (B40), ainda que com menor alcance.
A distribuição dessas organizações é fortemente influenciada pela localização geográfica do estado, suas rotas logísticas e a proximidade com a Bolívia — um dos principais produtores de cocaína do mundo.
Garimpo ilegal se torna motor de expansão criminosa
O estudo mostra que, nos últimos anos, as facções têm intensificado sua presença em áreas de garimpo ilegal, transformando esses territórios em novas bases de operação. O interesse é estratégico: o garimpo oferece dinheiro rápido, movimentação constante de trabalhadores, pouca fiscalização e ambiente propício para lavagem de recursos do tráfico.
Em regiões como Alta Floresta e na Terra Indígena Sararé, denúncias e documentos revelam que o Comando Vermelho passou de “guardião” contratado pelos garimpeiros a gestor direto da exploração ilegal de ouro.
Como as facções atuam no garimpo:
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Cobrança de “taxas” ou mensalidades dos garimpeiros em ouro
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Controle de máquinas, balsas, tratores e insumos
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Gerenciamento da logística de combustíveis e transporte
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Regulação violenta do território, impondo regras e punições
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Ameaças e ataques armados a equipes de fiscalização
Em mensagens obtidas pela Agência Brasil, o CV chegou a se apresentar formalmente como a organização “responsável” por atividades ilegais no estado.
Terra Indígena Sararé: conflito armado e avanço da violência
A TI Sararé, entre Conquista D’Oeste, Nova Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade, é hoje um dos epicentros do conflito entre garimpeiros, facções e forças de fiscalização.
Nos últimos anos, a área se transformou em um ambiente de disputa:
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Entre garimpeiros armados, que passaram a formar milícias para se proteger;
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E o Comando Vermelho, que tenta consolidar o monopólio da extração ilegal.
Esse cenário elevou drasticamente os índices de violência.
Mortes na região da TI Sararé:
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2022: 13 homicídios
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2023: 24 homicídios
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2024: 46 homicídios
Vila Bela, que compõe o território, passou a ter a maior taxa de mortes violentas entre municípios com até 20 mil habitantes.
Fronteira com a Bolívia aumenta risco e facilita infiltração
A proximidade da região oeste de Mato Grosso com a Bolívia — país que serve como corredor internacional de cocaína — reforça a presença das facções. Vila Bela da Santíssima Trindade, por exemplo, é uma das principais rotas usadas por organizações criminosas para entrada de drogas no Brasil.
Essa característica, somada ao garimpo ilegal e à ausência histórica de fiscalização efetiva, produz um ambiente fértil para a disputa territorial e consolidação de redes criminosas.
Organizações atuam como “empresa criminosa”
Pesquisadores que analisam o avanço das facções na Amazônia destacam que o modelo de atuação se profissionalizou. Hoje, as facções operam com:
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estrutura empresarial,
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controle administrativo dos garimpos,
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investimentos pesados em logística,
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aquisição de máquinas de grande porte,
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disseminação de regras internas,
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ameaças e imposição de multas criminais.
Em algumas áreas, operações federais registraram ataques de fuzil contra agentes públicos — evidência de que a criminalidade se consolidou com armamento pesado e organização sofisticada.
Capilaridade crescente e risco para municípios pequenos
Embora grandes cidades como Cuiabá e Várzea Grande também convivam com facções, o crescimento mais acelerado ocorre em municípios pequenos, muitas vezes com menos de 20 mil habitantes — onde estruturas de segurança pública são limitadas.
O relatório aponta que a violência desses locais não decorre de conflitos urbanos, mas da combinação explosiva entre:
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fronteira internacional,
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garimpo ilegal,
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tráfico de drogas,
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ausência de fiscalização,
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e disputa entre grupos criminosos.














