Uma candidata presa em flagrante com dinheiro e material de campanha. Santinhos apreendidos. Relatos de eleitores que receberam quantias em espécie. Cheques em branco assinados. Uma investigação robusta e repleta de elementos.
Mesmo diante de todos esses fatos, a Justiça Eleitoral da 41ª Zona de Araputanga decidiu julgar improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida contra a chapa eleita em Jauru, composta por Valdeci José de Souza (“Passarinho”) e Enércia Monteiro dos Santos, prefeitos eleitos em 2024.
A sentença, assinada em 13 de junho de 2025 pelo juiz Dimitri Teixeira Moreira dos Santos, reconhece que houve provas, mas entende que não foram suficientemente robustas para justificar a cassação dos mandatos.
E aí fica a pergunta:
Houve ou não houve compra de votos? E se houve, por que não houve condenação?
O que foi apresentado na ação?
A coligação “Por um Jauru Melhor” acusou a chapa adversária de ter praticado abuso de poder econômico e compra de votos. Os principais pontos da acusação incluíram:
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A prisão em flagrante da vice-prefeita eleita Enércia Monteiro, dias antes da eleição, com R$ 500,00 em espécie e santinhos de campanha;
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A apreensão de cheques em branco assinados por Enércia;
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O depoimento da eleitora Valdirene, que afirmou ter recebido o dinheiro diretamente das mãos da candidata, prometendo apoio e voto em troca;
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A operação policial que apreendeu valores e materiais na casa de Enércia, onde outras pessoas também estavam com dinheiro vivo.
O que decidiu a Justiça?
Na sentença, o juiz reconhece que houve fatos relevantes, mas entendeu que a acusação não conseguiu comprovar o “nexo direto” entre o dinheiro entregue e a intenção de comprar votos. Segundo a decisão:
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O valor entregue à eleitora poderia estar relacionado a trabalho de campanha — o que, embora irregular, não caracteriza necessariamente compra de votos;
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A quebra de sigilo bancário de Enércia não demonstrou movimentações incompatíveis com sua renda ou que indicassem abuso de poder econômico;
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O uso de dinheiro vivo na região rural de Jauru é culturalmente comum, segundo testemunhas.
A Justiça, então, se baseou no princípio do “pro sufrágio” — que orienta a manutenção dos mandatos eletivos quando há dúvida quanto à gravidade ou à prova das acusações.
O que diz a Lei Eleitoral?
Para cassar um mandato por compra de votos (art. 41-A da Lei nº 9.504/97), é necessário:
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Que o candidato tenha oferecido, prometido ou entregue algum bem ou vantagem pessoal;
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Que haja intenção clara de obter o voto (dolo);
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Que a conduta tenha ocorrido durante o período eleitoral;
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E que seja possível comprovar a ligação entre o benefício e o eleitorado.
No caso de Jauru, o juiz entendeu que não havia elementos suficientes para preencher todos esses requisitos. Assim, optou por manter o resultado das urnas.
Mas… e a prisão da candidata? E os cheques em branco? E o dinheiro?
A sentença reconhece os fatos. O que se questiona é se eles, individualmente, seriam suficientes para provar o crime eleitoral com a “robustez exigida pela jurisprudência do TSE”.
O juiz admite que a situação é grave, mas sustenta que não basta a suspeita — é preciso certeza jurídica. E isso, segundo ele, não ficou configurado nos autos.
Fica então a pergunta: houve ou não houve?
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A candidata foi presa.
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Havia dinheiro, material de campanha e testemunhas.
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Mas a Justiça não viu provas suficientes.
A denúncia existiu. O flagrante aconteceu. Mas a decisão foi pela absolvição.
Em que ponto a linha entre o ético e o ilegal se torna invisível?
Quando a dúvida protege o voto — ou protege o abuso?
E agora?
Com a improcedência da ação, os mandatos de Passarinho e Enércia estão mantidos. A coligação denunciante ainda pode recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso.
Até lá, a pergunta continua ecoando entre os eleitores de Jauru:
Se não houve, por que ela foi presa? E se houve, por que não foi punida?