O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso expediu recomendação nesta terça-feira (9) para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Governo do Estado de Mato Grosso e a Prefeitura de Cáceres adotem medidas imediatas para reparar danos causados ao Sítio Arqueológico Facão I, localizado na zona rural do município, a 225 km de Cuiabá.
De acordo com o MPF, as intervenções indevidas foram realizadas durante obras de manutenção em estradas que cortam a área do assentamento Facão e do Cinturão Verde, atingindo diretamente vestígios arqueológicos como fragmentos de cerâmica e possíveis ossadas humanas de origem indígena. A situação é considerada grave, pois viola normas federais de proteção ao patrimônio cultural brasileiro.
Recomendação com prazos e obrigações
A recomendação foi assinada pelo procurador da República Gabriel Infante Magalhães Martins, que determinou que:
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O IPHAN elabore, em até 30 dias, um laudo estimativo dos danos causados ao patrimônio cultural;
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Os entes públicos adotem em até 12 meses medidas conjuntas de proteção e compensação ao sítio arqueológico;
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A prefeita de Cáceres se abstenha de realizar novas intervenções na área sem autorização prévia dos órgãos competentes;
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O município e o Estado promovam, com brevidade, as melhorias necessárias nas estradas que dão acesso às comunidades locais, mas com respeito aos protocolos de preservação.
Além disso, os órgãos e autoridades envolvidos têm o prazo de 10 dias para informar se acatarão ou não as recomendações. Caso não cumpram, o MPF poderá adotar medidas judiciais, inclusive de responsabilização.
“Esta recomendação constitui ciência formal das obrigações e poderá ensejar ações judiciais em caso de omissão. A violação de dispositivos constitucionais e legais pode implicar responsabilização dos agentes públicos envolvidos”, pontua o MPF.
O caso: obras sem consulta e danos visíveis
O inquérito civil foi aberto após denúncia de que máquinas da Secretaria de Obras do Município de Cáceres haviam promovido a manutenção de estradas sem consulta prévia ao IPHAN — responsável por autorizar e acompanhar qualquer tipo de intervenção em áreas com presença de patrimônio arqueológico. Também não foi realizada qualquer pesquisa ou plano de salvamento arqueológico antes do início das obras.
Em vistoria feita pelo IPHAN em 11 de maio de 2021, foi constatado que o processo de patrolamento (nivelamento de estradas) causou impactos diretos no sítio arqueológico Facão I. Técnicos identificaram fragmentos cerâmicos e possíveis ossos humanos espalhados no leito e nas margens da estrada. Os vestígios, segundo relatório do órgão, constituem partes de antigos utensílios indígenas e elementos funerários de valor histórico incalculável.
Apesar de várias tentativas do IPHAN para formalizar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), a prefeitura não assinou o acordo, sob alegação de limitações financeiras e discordância com os prazos propostos. Estimativas para os trabalhos de mitigação e recuperação da área variam entre R$ 200 mil e R$ 800 mil.
Em fevereiro deste ano, em reunião com o MPF, representantes da prefeitura informaram que buscaram orçamentos com profissionais das universidades UNEMAT e UFMT especializados em arqueologia, mas não apresentaram definição concreta.
Risco à preservação histórica
Cáceres é uma das cidades de Mato Grosso com maior concentração de sítios arqueológicos catalogados. Qualquer intervenção em áreas potencialmente protegidas deve obedecer a normas rigorosas de preservação — inclusive com estudos prévios e acompanhamento técnico especializado.
A falta de planejamento e a inação do poder público, segundo o MPF, coloca em risco não apenas o patrimônio arqueológico, mas também compromete o direito coletivo à memória, à história e ao legado das populações originárias da região.














